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Ilustração: Luciane Stocco

Sistemas Tradicionais e Agroecológicos - A Erva-mate Sombreada

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A erva-mate está associada à Floresta com Araucária

A erva-mate, conhecida cientificamente pelo nome de Ilex paraguariensis, é uma planta natural exclusiva de um pequeno pedaço do planeta Terra. Abrangendo a região da Bacia do Rio da Prata, onde desaguam importantes rios brasileiros, como os Rios Paraná, Iguaçu, Uruguai e Paraguai, a erva-mate está ligada às tradições mais antigas dos habitantes do Sul do Brasil. Ao lado de sua inseparável colega, a Floresta com Araucária, a erva-mate providencia um alimento nutritivo e saboroso que faz parte de nossa cultura.

 

Ao longo do tempo, agricultores familiares vêm desenvolvendo diferentes maneiras de produção de erva-mate, buscando sempre maior viabilidade econômica e ambiental para a coleta das folhas desta árvore. Os Faxinais do Centro-Sul Paranaense e os sistemas de Caíva, do Planalto Norte de Santa Catarina, são excelentes exemplos de como a produção da erva-mate se desenvolveu de maneira aliada à conservação de nossas preciosas Florestas com Araucária, através do invento do sistema de produção da erva-mate sombreada.
 

Devido à sua exclusividade, sabor e qualidade diferenciados, o seu consumo é muito valorizado, podendo atingir valores de venda até 30% maiores que se comparados à erva-mate produzida em sistema pleno-sol. São por estes e tantos outros motivos, que agricultores e técnicos vêm somando forças e se organizando para conservar e valorizar a erva-mate nativa da região do Centro-Sul do Paraná e Norte de Santa Catarina.

 

A seguir, o mapa apresentado, extraído do panfleto do CEDErva, mostra a localização das regiões produtoras da preciosa erva-mate sombreada. Destaca-se o fato de que estão separadas geograficamente pelo Rio Iguaçu:

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Mapa de localização das regiões com sistemas tradicionais de produção de erva-mate no Paraná e em Santa Catarina. Fonte: CEDErva

Breve história dos sistemas tradicionais de produção de erva-mate

Devida a sua história, a erva-mate mostrou-se como uma importante condutora da consolidação social e cultural do Sul do Brasil e dos países que com esta região fazem fronteira. Ao se instalarem em suas novas terras, como por exemplo o processo de imigração de alemães, italianos, poloneses e ucranianos, os novos agricultores do Brasil foram estabelecendo contato com as práticas culturais e de produção da erva-mate e adaptando novos estilos e maneiras de cultivar esta planta. São os casos que podemos verificar nas regiões do Centro-Sul do Paraná, a partir do estabelecimento das populações faxinalenses e também na região norte do estado de Santa Catarina, onde agricultores desenvolveram os sistemas de Caíva, podendo esta apresentar diferentes configurações da vegetação, mas, definitivamente, sendo uma forma de representação cultural e identitária das populações que transformaram esta paisagem adaptando-a a sua condição de vida, e aí, a história da erva-mate continua, escrevendo novos capítulos a cada dia, e se tornando, cada vez mais, um ícone da cultura do Sul do Brasil e do Sul da América do Sul.

Antes das primeiras colônias de imigrantes europeus se instalarem na região no Planalto Norte-catarinense e Centro-Sul do Paraná, a região já havia recebido diversos fluxos migratórios provenientes da expansão econômica do mate na metade do século XIX. O objetivo dos primeiros assentamentos na região era de fato a extração da erva-mate nos ervais nativos locais, onde as folhas eram colhidas, transportadas até Porto União e Porto Amazonas e transportadas em barcos até Curitiba para descer a serra do mar paranaense, visando as exportações para os países vizinhos através do mar.

 

Anésio Marques, em sua tese de doutorado publicada em 2014, nos explica que as terras de onde a erva-mate antes era extraída, no início do grande ciclo econômico do mate, eram grandes áreas públicas ou devolutas que gradativamente foram distribuídas à coronéis da região e posteriormente divididas em processos de colonização, sempre convivendo com inúmeras posses de caboclos. A base econômica era a erva-mate, em menor escala a criação de gado e suínos para comércio e subsistência - atividades estas que eram muitas vezes desenvolvidas em áreas coletivas, originando, de forma processual, os faxinais, sendo seus remanescentes reconhecidos também como Caíva.

 

Estes sistemas comunitários de cultivo da terra que se desenvolveram tanto no Paraná quanto em Santa Catarina, apresentam algumas poucas diferenças entre eles que se acentuaram ao longo da história sobretudo pela divisão geográfica que o Rio Iguaçu estabelece nesta região. Abaixo apresentamos aos nosso leitores algumas das diferenças e características principais destes sistemas agroflorestais e sua relação com a erva-mate:

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Perfil da floresta com ervais e os diferentes meios de inserção da erva-mate na produção agricultural. Fonte: Cunha (2014)

Sistema tradicional Faxinal

Este sistema comunitário se desenvolveu em Santa Catarina e Paraná, mas ao longo do tempo os faxinais foram sendo adaptados sobretudo à natureza e posteriormente às condições do plantio em cada região e esta é uma das razões pelas quais no estado do Paraná a criação coletiva como organização do espaço é conhecida ainda hoje como Faxinais, e em Santa Catarina como Caíva.

 

Segundo Chang (1988), o sistema faxinalense se caracteriza pela ocorrência de três fenômenos: a criação extensiva de animais em áreas comuns devidamente cercadas (criadouro comum); a extração florestal dentro do criadouro comum, principalmente de erva-mate; a policultura alimentar em terras de plantio, principalmente feijão, milho, mandioca e arroz, localizadas em áreas protegidas do acesso animal. 

 

Os primeiros faxinais surgiram durante o grande ciclo econômico da erva-mate e por isso a extração desta folha é tão importante para a história destas comunidades, pois foi verdadeiramente através do sustento econômico promovido pela erva-mate é que as primeiras comunidades faxinalenses se consolidaram, pois justificava a manutenção da floresta, sendo beneficiada pela limpeza das áreas pela criação animal e manutenção de um grande número de trabalhadores para sua colheita e beneficiamento (Marques, 2014).

 

Dentro de um Faxinal existem dois tipos de uso da terra com utilização objetiva: as terras de plantar, que são de uso individual para o plantio de uma só família de agricultor; e a terra de criar, que são as terras coletivas, utilizadas pelas famílias, como criadouro comum. Dentro dos faxinais não existem divisões cercadas demarcando as propriedades, somente no entorno, dividindo o Faxinal das terras vizinhas. 

 

A erva-mate é uma importante fonte de renda para os faxinalenses, que fazem a colheita e por vezes o processamento das folhas da Ilex paraguariensis, extraindo-a de ambientes florestais com sub-bosque formado por pastagens naturais.

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Sistema tradicional Caíva

Segundo a tese de doutorado de Anésio Marques (2014), os criadouros comuns no Paraná são normalmente formados em vales de relevo suave ondulado e presença de aguadas, em solos vermelhos e profundos. Já as áreas de plantar em áreas mais íngremes, com solos mais rasos e mais férteis. Essa é justamente a situação da região sedimentar do Planalto Norte Catarinense, que apresenta grandes regiões de relevo suave ondulado ao longo dos vales dos rios, formadas por latossolos vermelhos, profundos e pouco férteis, onde se localizavam os criadouros, rodeados por áreas de relevo mais acidentado, de terra menos vermelha e menos ácidas, utilizadas como áreas de lavoura. 

 

As diferenças entre os Faxinais e as Caívas consistem sobretudo na nomenclatura que é dada para as formas de utilização do terreno: enquanto que no Paraná, à margem direita do Iguaçu, os criadouros comuns são chamados muitas vezes de 'faxinais', em Santa Catarina esta mesma parte é conhecida por 'criadouro' e a vegetação com sub-bosque aberto como pastagem natural é chamado de 'caíva' (Marques, 2014), como mostram as figuras.

 

O estabelecimento dos Faxinais e das Caívas representam um importante acontecimento na história da natureza nesta região, pois os sistemas com criadouro comum são diretamente responsáveis pela conservação dos poucos ervais nativos ainda remanescentes no sul do Brasil. O consumo da erva-mate produzida em sistemas tradicionais é um reconhecimento prestado às tradições culturais e históricas do Paraná e de Santa Catarina e um atestado de valorização às nossas florestas. 

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Sub-bosque com pastagem natural no criadouro coletivo no Planalto Norte Catarinense. Ervais ao fundo. Fonte: Ana Lúcia Hanisch

Sistemas agroflorestais tradicionais e a restauração ambiental

As práticas existentes nos sistemas produtivos tradicionais podem também ser utilizados em programas de restauração ambiental. Por serem inerentemente multi-espécie (por exemplo,com erva-mate, bracatinga, pinheiro-do-paraná, frutíferas), o uso dos sistemas tradicionais propicia a integração de conceitos ecológicos com o incremento da renda de produtores rurais em curto, médio e longo prazos, e fortalecem a segurança alimentar na agricultura familiar. 

 

Também integram conceitos de produção diversificada, incluindo a produção florestal, com seus respectivos produtos madeiráveis e não madeiráveis, aliada ao plantio de espécies tradicionalmente cultivadas pelos agricultores, com os conceitos de restauração e conservação ambiental.

 

As práticas têm demonstrado que os sistemas agroflorestais baseados em espécies nativas, e em especial os baseados em erva-mate, são capazes de associar a produção com a conservação florestal, o que o torna também um modelo para restauração de áreas degradadas e de Reserva Legal (RL).

 

A Floresta com Araucária possui alta diversidade de espécies com uso tradicional e potencial para uso em sistemas agroflorestais, os quais podem garantir, além da própria conservação destes recursos nativos, uma produção mais diversa e rentável, em particular para as propriedades familiares.

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Restauração com erva-mate e bracatinga. Fonte: A.E.B.Lacerda

Para fazer referência a esta página, por favor cite: CEDERVA. Sistemas tradicionais de cultivo: a erva-mate sombreada. Curitiba, 2020. Disponível em: http://www.cederva.org/sistemas-de-producao.html. 
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